Auriculoterapia
Auriculoterapia é a utilização de pontos nas orelhas para tratamento de diversos sinais e sintomas comuns em diferentes patologias e atua no âmbito físico, mental e emocional do paciente. Trata-se de um microssistema da acupuntura e esses pontos podem ser estimulados por agulhas, sementes, cristais, laser, moxa, infravermelho etc.
As origens da auriculoterapia se perdem no tempo e fica difícil determinar de onde vieram os primeiros registros. Os egípcios acalmavam algumas dores pela estimulação de pontos no pavilhão auricular. Hipócrates, considerado o pai da Medicina, escreveu no seu livro “Geração” (século IV AC) que cauterizações (pequenas queimaduras localizadas) atrás da orelha podiam curar certos casos de esterilidade (1). Na Índia, antigos místicos recomendavam estimular o crescimento do lóbulo da orelha para se atingir o estado de Nirvana. No século XVII, um médico português de nome Zacutus Lusitanus retomou os escritos de Hipócrates e passou a tratar pela orelha dores de quadril, recorrendo à cauterização. No século XVIII, o famoso Valsalva descreveu uma técnica de tratamento de dores de dente por meio de cauterizações auriculares.
Os chineses a usavam dentro da Medicina Tradicional Chinesa (MTC), tendo sido seus pontos mapeados por diferentes profissionais que deram origem às cartografias chinesas hoje conhecidas. Elas contemplam aproximadamente 200 pontos auriculares de tratamento localizados em ambas as faces da orelha.
Em 1951 Dr. Paul Nogier, médico francês residente em Lyon, ao receber em seu consultório uma paciente que tinha sido curada de dores ciáticas recorrentes por uma curandeira que cauterizara um ponto de sua orelha, curioso com o método e com os resultados obtidos, decidiu testar em seus pacientes o mesmo procedimento (2)(3).
A partir dos bons resultados obtidos, o Dr. Nogier prosseguiu em suas pesquisas e conseguiu determinar depois de mais de 20 anos de estudos, cerca de 43 pontos auriculares que tinham correspondência com órgãos e sistemas do corpo humano (2). Nogier publica então várias cartografias que ficaram conhecidas como Auriculoterapia Francesa, cada vez mais aperfeiçoadas, a última em 1987, onde fala mais em “zonas” do que em “pontos” (4).
Os pontos da escola francesa se baseiam na reflexologia e em um feto de ponta cabeça, um microssistema que pode refletir todas as mudanças fisiológicas do corpo humano (5). Nesse caso, quando ocorre uma desarmonia em qualquer parte do corpo, ela é refletida na orelha com reações de caráter e localidade específicos, relacionadas a cada enfermidade em particular. A escola francesa está amparada pelos fundamentos da neurofisiologia, mais recentemente confirmados por estudos de ressonância magnética funcional (2).
Portanto, a grande diferença entre a escola francesa e a escola chinesa é sua cartografia, ou seja, seus mapas auriculares são diferentes, pois foram criados baseados em diferentes premissas. A escola francesa usa para tratamento agulhas convencionais, agulhas semipermanentes (ASP), infravermelho, laser, massagens auriculares etc. Já a chinesa utiliza mais sementes, cristais e as próprias agulhas.
O sucesso da Auriculoterapia Francesa em tratar numerosas doenças, dores diversas e problemas psicossomáticos foi tanto que, em novembro de 1990, a Organização Mundial de Saúde reuniu-se em Lyon, na França, e seu Diretor Geral (na época o Dr. Hiroshi Nakajima) pediu sua inclusão na Medicina Geral, com uso especialmente indicado para dores e problemas funcionais, tendo sido o Dr. Paul Nogier homenageado como pai dessa técnica (6). Desde então houve grande impulso na difusão da Auriculoterapia e hoje se calcula que a mesma seja praticada em 80 países, como Alemanha, França, EUA, Itália, Holanda, China, Japão, entre outros, incluindo-se o Brasil.
A A.N.A.E.S. (Agência Nacional de Acreditação e Avaliação em Saúde), órgão francês equivalente ao nosso Ministério da Saúde, publicou, em 2003 e 2004, documentos contendo as principais indicações para a Auriculoterapia Francesa, considerada por essa instituição como um subconjunto da Acupuntura (7). São elas:
- Dores agudas e crônicas visando analgesia;
- Ansiedade e depressão (parte do programa geral de tratamento);
- Distúrbios funcionais digestivos (náuseas e vômitos, incluindo aqueles que ocorrem pós-quimioterapia ou no pós-operatório);
- Vícios diversos, principalmente o tabagismo;
- Alergias, principalmente na rinite alérgica;
- Auxílio na recuperação motora;
- Patologia funcional urogenital.
Não existem contraindicações absolutas à auriculoterapia. É importante realizar a desinfecção local antes da inserção das agulhas com álcool a 70%, particularmente antes de inserir uma ASP (agulha semipermanente). Pacientes de risco como aqueles com AIDS, diabetes, imunodeprimidos, pacientes em uso de anticoagulantes, infecção ativa, devem ser tratados com cautela. Na gestação, Paul Nogier contraindicava (2) os pontos do útero, ovário, hipófise e genital, embora existam controvérsias sobre se realmente esses pontos trariam malefícios às gestantes (7).
Um outro aspecto importante que não podemos esquecer é o custo desse tratamento (8). Sabe-se que as técnicas de acupuntura, assim como outras técnicas de medicina complementar, têm custo significativamente menor do que o uso de medicamentos, por vezes caros, da medicina convencional. Além disso, a associação dessas terapias diminui consideravelmente o uso dos mesmos.
Escrito por: Prof. Dr. Fernando M. Sant’Anna Professor Adjunto da UFRJ Especialista em Acupuntura pela UFF.
Referências Bibliográficas
1. Rouxeville Y. Auriculotherapie: acupuncture auriculaire [Internet]. Paris: Springer; 2007 [citado 9 de maio de 2018]. Disponível em: http://site.ebrary.com/id/10210895.
2. Nogier PFM (1969) Traité d’Auriculothérapie. Maisonneuve, Moulin-lès-Metz.
3. Nogier P, Nogier R (1979) L’homme dans l’oreille. Maisonneuve, Sainte-Ruffine.
4. Rouxeville Y, Méas Y. Panorama de l’auriculothérapie et de l’auriculomédecine [Internet]. Paris; New York: Springer; 2011 [citado 9 de maio de 2018]. Disponível em: http://site.ebrary.com/id/10494269.
5. Nogier R, Nogier R. Auriculotherapy. Stuttgart ; New York: Thieme; 2009. 176 p.
6. World Health Organization (1990) Report of the Working Group of Auricular Acupuncture Nomenclature. WHO Genève.
7. Rouxeville Y, Méas Y, Bossy J (2008) Auriculothérapie, Acupuncture Auriculaire. Spinger, Paris, 1re éd.
8. Nabil E, Chaari H, Farah MA, Trabelsi D et al. (2006) Intérêt de l’auriculothérapie dans une clinique de la Sécurité Sociale (Bizerte) en Tunisie. Actes du Ve Symposium international d’auriculothérapie et d’auriculomédecine. GLEM – EIPN – AASF Lyon.