Apresentamos o Convidado Internacional do XXVI Congresso Internacional de Acupuntura e IV Congresso de Dor do CMBA Dr Beltran Carrillo (Espanha).
Dr Beltran é Bacharel em Medicina (Universidade Complutense, Madri), Especialista em Geriatria e Mestre em Acupuntura (Universidade Complutense, Madri), Presidente da Sociedade de Acupuntura Médica da Espanha (2020 – presente).
CMBA – Dr. Beltrán, o que a Acupuntura significa para você?
Dr Beltrán – A Acupuntura como ramo da Medicina significa para mim uma forma de ajudar a curar e tratar doenças, cuidar de pessoas com problemas de saúde. Faz parte da prática médica normal; a acupuntura não pode ser separada da medicina. Algumas vezes a melhor opção para um paciente é a acupuntura, e muitas outras a acupuntura não é a melhor opção, enquanto em outras a acupuntura é o complemento necessário para controlar a doença do paciente. Separar a acupuntura da medicina não é a melhor forma de cuidar de pessoas com problemas de saúde, o que pode contribuir para que não se reconheça o enorme efeito benéfico que essa ferramenta terapêutica pode ter em muitos casos.
CMBA – Conte-nos um pouco sobre você, como a acupuntura entrou em sua vida.
Dr Beltrán – Aprendi sobre acupuntura através do meu pai. Meu pai é um internista que, após terminar sua graduação médica em Madrid (1962), foi para o Canadá para se especializar, permanecendo em Montreal por 15 anos. Nesse período conheceu Bruce Pomeranz, treinando com ele em Toronto. Com Pomeranz, ele conheceu as primeiras pesquisas sobre o efeito neuro-hormonal da acupuntura e sua aplicação clínica, especialmente o tratamento de dependência em heroína que estava sendo realizado em Toronto na época para desmamar viciados. Durante minha formação universitária, passei todo o tempo que tinha livre na clínica com meu pai, aprendendo com ele e estudando sob sua supervisão.
CMBA – Como você vê o momento atual da acupuntura na Europa e no mundo?
Dr Beltrán – Acredito que a acupuntura atualmente está em uma encruzilhada emocionante, com dois grandes desafios a nível mundial para resolver.
Primeiro, há a tentativa de aquisição da acupuntura por não-médicos. Espera-se que pessoas sem formação médica tenham muito interesse na acupuntura, mas falta-lhes o conhecimento para o manejo de doenças. Este grupo de leigos têm grande interesse em poder cuidar de pacientes sem passar pelo processo de seleção e formação em medicina. Compreende-se que este atalho na formação pode ser uma oportunidade profissional para muitos, mas representa um risco de dimensões apocalípticas para os pacientes. Nesse quesito, os médicos devem ser intolerantes, não devem aceitar que não-médicos pratiquem a acupuntura, pois além do risco para os pacientes, isso contribui para desacreditar a acupuntura. Muitas vezes eu vi pessoas que não acreditam na acupuntura aproveitarem a oportunidade para desacreditá-la citando erros cometidos por não-médicos.
Em segundo lugar, estamos em um período de adaptação do conhecimento da acupuntura para o momento científico atual. O conhecimento no campo da acupuntura está no mesmo nível que em outras áreas da medicina, e temos que saber aproveitar isso. Comparando diferentes áreas da medicina em termos de estudos secundários, os resultados preliminares dizem que a acupuntura está melhor posicionada do que muitas áreas mais bem estabelecidas, tanto em número quanto em qualidade de estudos. Os médicos que incluem a acupuntura entre suas opções terapêuticas devem saber tirar proveito desta condição. Temos que conhecer o campo científico atual e saber comunicá-lo tanto aos nossos colegas como aos doentes. Acho que os antigos médicos acupunturistas não se sentiriam muito à vontade vendo como não aproveitamos os avanços da ciência. Como em outras áreas da medicina, somos obrigados a alinhar nossa prática com a ciência atualizada. É essencial, embora não seja fácil, mas é muito gratificante quando o que fazemos na clínica é respaldado pela ciência. Exige um esforço enorme, mas compensa muito.
CMBA – Como você vê a atual participação do CMBA e de seus líderes no movimento mundial de valorização da acupuntura do ponto de vista político e científico?
Dr Beltrán – Sem dúvida, o CMBA é a referência internacional para a acupuntura, em todos os aspectos. A linha de trabalho de seus atuais líderes é decisiva para posicionar a acupuntura dentro da medicina e conquistar o apoio e o reconhecimento de nossos colegas. O CMBA fala a mesma língua que se fala em qualquer outra área da medicina, cara a cara com colegas, tal como um especialista em oftalmologia fala com os colegas não oftalmologistas, e estes não hesitam em consultar sobre problemas de visão de seus pacientes, por exemplo. A mensagem que o CMBA transmite aos colegas não acupunturistas é o do conhecimento científico atualizado de uma área com a qual se pode contar para fazer uma boa medicina e cuidar bem dos seus pacientes.
CMBA – Você acha que em seu país existe um movimento para conscientizar os colegas de outras especialidades a ver a acupuntura como um ato médico?
Dr Beltrán – Na Espanha, a Sociedade Espanhola de Acupuntura Médica (SAME) sempre defendeu a linha da acupuntura científica nas mãos dos médicos. Há alguns anos existe uma corrente de opinião que inclui erroneamente (por desconhecimento) a acupuntura entre as “pseudoterapias”. Nesse sentido, estamos direcionando nossas ações para mostrar que isso é um equívoco. Quando apresentamos as evidências da acupuntura para as autoridades (que até então nada sabiam sobre acupuntura, mas ousaram ir a favor da moda da negação), eles ficam em silêncio, é difícil admitir seu erro. Mas as evidências em favor da acupuntura são tão devastadoras que eles não têm escolha a não ser reconhecer a ciência por trás da acupuntura, embora alguns continuem tentando fazer pontuações absurdas. Nós temos que manter as informações que são fornecidas atualizadas e científicas. Falar de conceitos antigos seria um erro irreparável, assim como tentar defender qualquer área da medicina com conceitos antigos.
CMBA – Existem serviços públicos de acupuntura em seu país? Como está o atendimento dos pacientes das seguradoras, do setor público, da clientela privada e dentro das universidades?
Dr Beltrán – Na Espanha, a prática da acupuntura tem reconhecimento legislativo pelo Real Decreto 1277/2003 que regulamenta as bases dos procedimentos de autorização dos centros de saúde, estabelecendo uma classificação, denominação e definição comuns para todos os centros de saúde públicos e privados. Para funcionar, o centro deve ter a autorização de acordo com este decreto. Entre a oferta assistencial está definido o código U.101, que é definido como “…a unidade de atendimento em que um médico é responsável por realizar tratamentos com técnicas de estimulação periférica com agulhas…” Infere-se que deve ser um médico que realiza o tratamento de estimulação periférica com agulhas, entendendo que inclui todas as modalidades de punção com agulha que incluímos na acupuntura. Todo o estabelecimento que ofereça esses serviços deve ter o reconhecimento de um centro de saúde e a correspondente autorização específica U101. A lei é muito clara a esse respeito, se bem que é verdade que existe descumprimento da norma. No momento atual os serviços de inspeção dos Conselhos das Comunidades Autônomas estão começando a realizar inspeções e abrir procedimentos contra o não cumprimento da lei.
A acupuntura é reconhecida em diferentes níveis, especialmente na área da dor. Está incluído no portfólio de serviços hospitalares da Comunidade da Andaluzia, e muitas unidades de dor usam acupuntura. A maioria dos acupunturistas trabalha no setor privado, sendo aceito por muitas seguradoras quando é um médico que o pratica.
CMBA – O que você espera encontrar no Congresso Internacional do CMBA em outubro próximo?
Dr Beltrán – Assistir a um congresso do CMBA é uma garantia. O Congresso Internacional do CMBA no Rio de Janeiro é uma oportunidade única. Os palestrantes irão expor o que há de mais novo na área da acupuntura, abordando todas as áreas, que terão uma aplicação prática para todos. Vamos poder voltar a encontrar-nos pessoalmente, depois de tantos anos em isolamento, e isso permite-nos retomar a troca de ideias entre colegas com os quais aprendemos, surgindo sempre novas ideias para o futuro.
CMBA – Deixe sua mensagem para nossos associados.
Dr Beltrán – Os membros do CMBA são médicos privilegiados, vocês estão na primeira divisão da acupuntura mundial. Isso também é um desafio para todos, significa poder receber muito, mas também força cada um a trabalhar mais, a participar ativamente de todas as atividades onde são tratadas condições em que a acupuntura pode ser uma opção. Não fique calado quando tem algo a dizer a favor da acupuntura. Com o apoio do CMBA é mais fácil, mas também exige que todos remem juntos, ao mesmo tempo e na mesma direção.
Beltran Carrillo (Madri, agosto de 2022)