Entrevista - Dr. Ruy Tanigawa

1 – Por que resolver ser Acupunturista?

Eu sou da década de 70 e na década de 70, estava em dúvida em exercer a medicina ou não, porque o que estava acontecendo não era o que eu queria. No final dos anos 70, o pensamento vigente na época era superespecialização e medicina e era muito diferente daquilo que eu tinha idealizado na adolescência quando resolvi estudar e escolher a medicina por vocação. Nós tivemos os melhores professores sem dúvida e durante o internato tinha os preceptores e professores altamente motivados por ensino. Entretanto, todos direcionados para que fizéssemos uma especialização, e não há nem percebia a visão da fragmentalização do ser humano. O pessoal enfatizava muito a doença e em menor importância o doente. Na época eu tive muita reflexão em relação a isso e quando eu tive contato com a Homeopatia e Acupuntura, que ao contrário do que eu vinha recebendo de informação, tanto a Homeopatia como a Acupuntura tinha uma visão totalitária do enfermo, valorizando muito o doente. Bom, de fato aí eu comecei a me interessar tanto pela Homeopatia, quanto pela Acupuntura.

Em 81 acabei obtendo o título de especialista em Homeopatia e logo me tornei professor e diretor da Associação Paulista de Homeopatia. E nesse mesmo ano passei a integrar um grupo de médicos que tinham como missão fazer da Acupuntura um ato médico. E isso foi uma história longa, mas com o tempo, nós entendemos que a aplicabilidade da Acupuntura em doenças prevalentes, a nossa população poderia ter elevado a resolutividade e com isso precisavam de ter uma capacitação dos médicos.

Esse caminho foi até que em 95, houve o reconhecimento da especialidade de Acupuntura pelo Conselho Federal de Medicina. Em 98 passou a integrar outras especialidades da Associação Médica Brasileira e, ao mesmo tempo, juntamente com a Comissão Nacional de Residência Médica, a Acupuntura passou a ocupar ali um valor muito grande, principalmente que para a formação de uma especialidade, precisava de ter esse tripé, que é a AMB, CFM e a Comissão Nacional de Residência Médica, integrando aí e formando a Comissão Mista de Especialidade.

Nessa época, atuei juntamente com os colegas para a prova de título e a elaboração de programa de residência médica. E nesse tempo, fui membro do Conselho Científico e Deliberativo da AMB. E aí você coloca também nesse tempo, o quê que resolveu dedicar tantos anos a essa jornada na expansão da Acupuntura no Brasil? Bom, no início do movimento pela Acupuntura, fiz seis anos de medicina e mais algumas coisas, e já praticando Acupuntura, eu tive um caso de um senhor que tinha sido o motorista do meu pai e deixou de ser motorista. O indivíduo com a formação só do ensino fundamental, vestindo-se de branco e praticava a Acupuntura. Nada contra ele, não tinha culpa, mas eu fiquei muito indignado com essa situação. Aí juntando as peças de como eram as pessoas que praticavam Acupuntura. Pessoas sem informação, sem conhecimento médico e fazendo, praticando uma coisa tão importante. Aí eu tinha que sair a luta.

Nós vamos pelo caminho de explicar como é que funciona, tentando conscientizar a população. Nessa época, dei muitas palestras em escolas de medicina, tentando fazer com que as pessoas entendessem o que é Acupuntura. Claro que na época, a gente tinha que tomar um cuidado extremo para o convencimento e isso infelizmente não terminou, ainda continua e a nós vamos terminar a existência nesse planeta lutando pela expansão da Acupuntura no Brasil. Já fizemos muito, mas eu acho que tem muito mais a fazer. Então a gente tem que continuar nessa jornada da expansão da Acupuntura no Brasil.

2 – Como foram os primeiros momentos dessa expansão?

Os primeiros momentos, eu ainda na minha jovialidade, em querer fazer com que a coisa acontecesse, foram muito eletrizantes. Lembro muito bem que na Câmara Municipal de São Paulo, fizeram um convite para discutir a Acupuntura e lá estava eu, não sei se o Dr Murata, e o Dr Henrique Carlos Gonçalves que estava representando o CRM.

E uma plateia, um auditório lotado, gente em pé, tudo de não médicos. Claro que precisamos colocar em uma diplomacia, mesmo com linguagens e perguntas relativamente agressivas e aí a gente como médico, poderia estar sendo mal-educados, grosseiros, como a gente vê recentemente no congresso. Essa grosseria, essa discussão sem razão não acrescentam em nada, só leva prejuízo. Então levamos esse debate, essa discussão. É claro que teve não médicos que saíram de lá muito bravos e lá tivemos eu e o Henrique Carlos até ameaças de morte. Não precisamos fazer nenhuma queixa, nem um boletim de ocorrência. Entendendo que aquilo era uma discussão e que deveria acontecer outras vezes e aconteceu. Passei pela assembleia legislativa, alguns ambientes onde tinham médicos tentando levar a diplomacia e o convencimento de que quem deveria exercer a Acupuntura, fossem os médicos e não os curiosos e indivíduos sem capacitação. Então esses foram momentos que foram eletrizantes na época.

O assunto veio a baia, então vários canais de televisão, vários jornais várias revistas aproveitando que a aquilo dava audiência, eles faziam muitos programas e variavelmente eu era convidado a participar. Então desde lá de trás, a gente tinha essa consciência de que não seria um caminho fácil, mas da mesma forma eu explicava aos não médicos que a diferença deles para com a medicina era muito grande. Não querendo desmerecer, até a boa vontade que eles tinham com a população, mas não eram capacitados para exercer e aí essa luta continua e foi, e tivemos aí momentos históricos e que aí tivemos que cuidar de nosso fígado.

3 – Como ocorreu o reconhecimento da Acupuntura em especialidade médica?

Em função da divulgação da mídia, dos pacientes sendo favoráveis que fosse uma especialidade médica e da aproximação da Acupuntura com as entidades médicas, no caso em São Paulo com a Associação Paulista de Medicina, o Conselho Regional e o pessoal da Sociedade Médica Brasileira de Acupuntura (SMBA). Lá anteriormente, eles fizeram uma aproximação muito importante no ambiente político (CFM), e eles ficaram em uma posição que realmente era favorável e que deveria fazer isso pelos médicos se não, os não médicos estariam fazendo um trabalho junto à população e que era indevida e que devia ser feito por médicos.

Entretanto, mesmo dentro do CFM, tinha pessoas que não eram simpatizantes dessa idéia e começaram a argumentar a respeito da parte científica. Aí quando foi muito bem que os médicos do estado de São Paulo, praticamente aqui de São Paulo, fizeram um mutirão enorme. Sei passaram até dias, até semanas, fazendo um levantamento de pesquisas científicas, fazendo um levantamento para validação da Acupuntura como um ato médico que deveria ser especialidade médica.

Foi um papel muito importante de orientação do próprio Dr Yamamura, e a gente teve que comprar até uma máquina de Xerox enorme e cara, para fazer essa coletânea de material e isso resultou eu acho que em centenas de quilo de material. Tanto é que eu acho que quem levou esse material para o CFM foi o (XXX) juntamente com o (XXX), que foi levado em um carrinho, então uma grande quantidade de materiais, um grande volume de publicações, claro que internacionais a favor da medicina. Começou a ter um grande embate, então teve o reconhecimento do CFM.

A partir dai, uma grande discussão para quem seria colocado a futuro da Acupuntura médica. Então tinha do lado a SMBA e também tinha o lado da AMBA. Quando chegou a AMB foi a grande discussão de quem seria o pai da Acupuntura médica. Tivemos ali muito embate dentro da AMB, mas por fim acho que chegou ao consenso para que nada fosse perdido ou para preservar ao máximo, então foi em 98, tivemos uma divisão, aliás, uma composição da ASMA junto com a AMBA, formando ali uma divisão de funções e que foi colocado a Acupuntura como um rol de especialidade da AMB.

E para que isso fosse completado, as especialidades estão ligadas entre si através de um colocado anteriormente, que para que fosse duma especialidade médica, precisaria ter reconhecimento pelo CFM, estar dentro do rol de especialidade da AMB e tenho o reconhecimento da Comissão Nacional de Residência Médica.  Tudo isso foi cumprido e logo a seguir, nós tivemos a primeira prova de título e nessa prova de título de especialista, nos trabalhamos conjuntamente eu trabalhei nessa prova de titulação, também elaboramos o programa de residência médica, e nesse tempo eu fui membro do conselho científico e deliberativo para fazer um jogo de corpo a corpo junto com as outras especialidades porque muitas das especialidades não concordavam com a Acupuntura dentro das especialidades médicas do Brasil. Por fim, isso foi a história que deu início propriamente da Acupuntura.

4 – Você dedicou grande esforço para que a Acupuntura fosse considerada um ato médico. Por que ainda não foi efetivada essa lei?

Bom, vale a pena contextualizar isso à época em que frequentemente a medicina brasileira não era criada por uma lei, não tinha nenhuma lei que falasse a respeito da criação da profissão médica, enquanto as outras profissões tinham passado por uma lei. Então tinha lá outras atividades de saúde, que foram criadas com escopo de lei. E a medicina por ser antiga a existência, de séculos, de milhares de anos, não teria por que ser colocada sob a és de uma lei.

Entretanto, começou a ter vários, digamos, tentativas de invasões, de indivíduos que tentavam entrar, praticar atos ligados à medicina e que não eram médicos. Então foi discutido e foi levado a cabo em discussão, para definir o que é ato médico ou não. Então foi aí que entrou a discussão de lei do ato médico. Mas isso deu um trabalho, que nos mobilizamos o Brasil inteiro, tivemos que ir várias vezes para Brasília, tivemos que participar de várias reuniões em uma discussão muito intensa.

Então foi definido o que é o ato médico e aí nós da Acupuntura também se (XXX),  a Acupuntura foi contemplada nessa lei do ato médico e a Acupuntura entrou, claro que não como desejaríamos, mas ela foi integrada e está dentro da lei de ato médico e foi e passou. Claro que não contemplou a nossa necessidade de impedir que os não médicos praticarem a Acupuntura.

Agora veja você, como é que a gente vai colocar alguma coisa de Acupuntura? Não precisa colocar que é ato médico.  Ela já está contemplada, mas colocar a qualquer coisa na Acupuntura, no congresso sobre o aspecto de discussão de lei, a gente sabe que funciona o nosso congresso. O exemplo está aí nós duas de hoje. É muito complicado o que está ali. Uma situação de confronto, uma situação de interesses, situação que não se resolve e indivíduos que se aproveitariam para combater ou abrigar outras coisas que não de interesse da medicina. Então eu acho que discutir Acupuntura como uma forma de lei no Brasil é totalmente inviável. E não que não fosse feita tentativas lá atrás, mas eu acho que o bom senso de hoje, de não colocar nada disso.

Já está feito e aí a gente vai ter que conquistar a população, tem que conquistar o meio médico, tem que conquistar a parte econômica e fazer com que a Acupuntura seja reconhecida em nosso meio, reconhecida junto à população e o papel importante de conscientização que a Acupuntura deve ser feita por médicos e aí vai vários porquês, né? Vai da responsabilização de algum erro, vai da responsabilização de um resultado e da responsabilização que está ligada dentro do que é mais sagrado na medicina que é a ética médica.

Então eu acho que é por aí que devemos seguir e tentar achar um termo muito maior e não ficar com essa idéia de que pode ser discutida na forma de lei de maneira alguma. Então acho que talvez em um outro tempo, outro contexto, a gente possa estar discutindo Acupuntura na forma de alguma lei.

Isso é tão confuso que aqueles que investiram, deputados lá atrás, aqueles não médicos que investiram no deputado lá atrás, esse deputado e outros deputados que abraçaram essa causa, a cada eleição eles recebem, digamos, uma promessa de campanha. Eu não tenho idéia se foi colaborado dinheiro na história ou não, mas é bem provável e que esses indivíduos que ainda empurram o projeto de lei de Acupuntura para não médicos, eles são enganados à décadas com a falsa promessa de que deram resultados.

Então da mesma forma que eles não conseguem, é bem provável que a gente não consiga colocar nenhum projeto de lei ou anteprojeto de lei que seja totalmente a nosso favor. Então cabe a nós esse caminho, digamos, de responsabilidade de avanço, de pesquisas de Acupuntura e não na forma de alguns projetos de lei ou de uma lei que no Brasil a gente está desgastados com tudo isso.

5 – O que você espera da Acupuntura no Brasil e o mundo nos próximos dez anos?

Nós sabemos como a Acupuntura começou e temos muitas dúvidas de como ela evoluiu porque a história é antiga e as escritas nem sempre foram confiáveis porque muitos dessas escritas foram reescritos em várias épocas. Teve época que se queimavam livros, queimavam-se documentos, então não são totalmente confiáveis. Mas em todo caso, fazendo aqui uma breve história, o primeiro período de toda a história da Acupuntura na China, que foi o mais glorioso, foi da dinastia (XXX). Na dinastia (XXX), que teve a idéia, a noção, divulgação, também tivemos ali uma aplicação que orientou para agricultura, orientou para estratégia militar, estratégia política e até estratégia econômica e foi aplicada também ao ser humano que é (XXX) que todos nós apreciamos. E também teve a teoria dos meridianos.

E tudo isso é discutido e tivemos outros avanços na medicina, onde depois do início da era cristã, a Acupuntura teve outros avanços importantes e aquela época, eu coloco que foi a a Acupuntura para as especialidades. Foi um grande avanço.

Só que nós utilizamos termos, utilizamos frases, utilizamos conceito, que é praticamente impossível o ortodoxo acompanhar e entender, a não ser que o indivíduo tente fazer alguma coisa mais profunda. Mas para você discutir com os demais especialistas, os demais cientistas, dentro disso, fez com que de certa forma, somos questionados frequentemente. E o que resta para a gente, para o Brasil por enquanto, é a gente trabalhar, fazer estudos clínicos. Não tem outras ferramentas. E então o que vale agora é primeiro, o estudo observacional e depois partir para o estudo clínico. Mas as pessoas querem saber como funciona e um olhar crítico a isso aí.

Eu acho que agora temos, a pouco tempo, o professor (XXX) que é da Academia da Medicina Tradicional Chinesa em (XXX). Esse professor, ele faz uma revisão a partir dos primórdios da Acupuntura, principalmente até a cidade de (XXX), depois nos períodos altos da Acupuntura e agora ele coloca o importante que é: ele rediscute ( XXX), rediscute (XXX), rediscute os pontos da Acupuntura, trazendo uma linguagem para a Ortodoxia.

Se a gente quer sobreviver, se a gente quer evoluir no Brasil assim como no mundo, nos temos que nos tornar entendíveis. Não podemos ser aqueles médicos esquisitos que trabalham com agulha, com coisas de dois mil e quinhentos anos atrás e que lê coisas do imperador do livro amarelo e quem sabe se existiu ou não existiu. Então, ou seja, o mundo moderno requer conhecimento mais moderno. Então a gente sem desfazer de tudo o que tem, na história da medicina da Acupuntura, a gente tem que fazer com que isso seja entendível e dessa forma, se entender é respeitável. Não tem como negar.

Esse professor  da Academia Chinesa, ele trás ali, algumas idéias que são muito importantes, mas que q gente vai começar, não que seja novidade né? A teoria do meridiano é importante? É. Mas da para você explicar sem necessariamente falar na teoria do meridiano. Da para falar em Acupuntura sem necessariamente ter que falar de (XXX). Para nós, claro que tudo isso é importante. Mas não colocarei aqui para que nós possamos, digamos, ser entendíveis. Alguém que vai nos ouvir e precisa entender, se não ele não vai colaborar, vai votar contra, vai ser contra. Então a gente tem que colocar em uma linguagem que eles aceite. Resumindo muito bem o que fala esse professor: ele fala a mesma coisa mas em uma linguagem mais acessível aos ortodoxos.

Então a Acupuntura, é definida para a terapia fisiológica coordenada pelo cérebro que responde as estimulações dos neuronios sensoriais periféricos por inserção de agulhas por via manual. Não tem novidade nenhuma, mas ele coloca de uma maneira entendível. Em relação a  essa definição, há um conceito muito importante: a Acupuntura não trata sintomas patológicos em particular, mas normaliza (XXX) fisiológica e promove alto cura. Isso sim trás o que nós praticamos: a luz do conhecimento que a ortodoxia precisa.

A Acupuntura como mecanismo terapêutico é não específica clara. A Acupuntura não diz a tratar sintomas ou doenças, mas cuida do indivíduo como um todo. É a mesma coisa que nós falamos, colocando em uma linguagem entendível e que através de uma linguagem com esse encaminhamento, nos vamos ser entendíveis pela ciência, pelos médicos e que isso possa trazer aqui, uma integração da medicina Ortodoxa com a medicina Heterodoxa da Acupuntura.

Eu acho que é isso o que eu espero que aconteça nos próximos anos. Então nós vamos ter que primeiro entender realmente como é que funciona. E alunos das pesquisas: trazer a Acupuntura do contexto atual. É claro que a gente sabe que os indivíduos que olharam a Acupuntura e quiseram entender como é que funciona, eles usaram principalmente a Acupuntura elétrica para estudar e ver como é que funciona através dessa desconfiança, ou para entender como é que funciona, começaram a publicar mecanismos de ação da Acupuntura, outros começaram publicar como é que funciona o estímulo provocado na pele, qual o caminho que faz da medula, do cérebro e assim por diante. E colocaram um termo sem reconhecimento da origem dessas pesquisas. Deram um nome bonito e a gente vai respeitar, a chamada “neurociência” e não colocaram a raiz dessa neurociência.

Então, é o seguinte, um dever: a gente tem que ter além desse caminho de pesquisa química, ter acesso a esse tipo de pesquisa, esse tipo de descobrir como é que funciona e como é que pode atuar. Então não importa o nome que se dê, a gente vai explicando o fenômeno da Acupuntura.